29.10.10

O que você é com ela não basta, não é suficiente, por isso extrapola. Precisa ser outro. Isso existe em qualquer relacionamento. Por isso temos amigos. Mas no seu caso, a infidelidade é mais grave porque você viola uma premissa que nos é tão cara: identidade. Ao tentar repetir a intimidade, uma experiência única, é como se contasse um segredo que pertencia antes apenas a vocês. Claro que não se quer o mesmo efeito quando se conta um segredo para outro, mas se usa a mesma premissa. Esse é o seu pecado. Obviamente que a experiência não se quer idêntica, não quer assumir o espaço da outra: eis o mais cruel, a sua violência, o porquê é traição. Ela não é apenas uma experiência que viola as premissas da singularidade ao repetir o que deveria ser único. Para quem é traído é inevitável o julgamento de valor: óbvio pensar que ela não se quer apenas como fuga da rotina: ela se quer melhor. Só se quer fugir da rotina quando não se está apaixonado. É dilacerante. E é covardia, porque o faz na clandestinidade. Não tem coragem de assumir, antes, que a experiência à dois está insuficiente, que precisa de outros estímulos. Tenta esconder o quanto está inseguro. Ilude, porque não confessa o esgotamento, a faz acreditar que a experiência é, não apenas o bastante, o que sugere limiar, mas ainda estimulante, não sendo mais. E se ainda é, não supre toda sua necessidade. Tornou-se a ordem naturalizada das coisas, cristalizou-se. Tornou-se medo. E você não recua com medo de que volte ao que era antes de conhecê-la. Porque ela uma vez também lhe tirou o ar, foi seu melhor estímulo. Não percebe que o medo da solidão impede o amor, esse desesperado que provoca desarranjos na ordem e nos horários, transforma tudo em amontoado de ruínas. Que é como construir castelos de areia próximos ao mar: precisará recompô-lo sempre. Nunca estará firmemente marcado, nunca suficiente. Nada persiste.

Trai pelo risco iminente da paixão, necessidade do gesto extremo, o gesto desesperado, o movimento. Mas é antes sopro que vento. Quer o prazer sem por nada em risco. O terá na medida do que oferece. Não arrisca nada, nada oferece, é miserável, ama pouco: nunca será vendaval. Enquanto condenado à clandestinidade, não é amor, que amor é entrega. É covardia, é fuga, não tem coragem de amar livremente. Ninguém é feliz na clandestinidade. Faz parte da fecilidade gritá-la aos sete ventos!

Também não é amor o que sente pela namorada, se também a ama clandestinamente. No fundo, no fundo, escondido entre escombros, e não a flor da pele. Acreditará que a ama, porque sentirá saudades. Não distingue saudade de necessidade. Não atenta ao fato de que saudade a gente sente até da professora da creche, sente de tanta gente, de tanta coisa. Saudade pode ser nostalgia, pode ser lembrança, pode ser falta e medo: precisa sentir necessidade!

Talvez, se tivesse coragem, se confessasse a letargia, pudessem juntos reinventar a mágica, a palavra, o amor. Não confessa por que tem medo de arriscar o que foi conquistado, o que foi construído: mas já não está fazendo, ao seu jeito, com seu gesto? não está fazendo, ao ignorar o esgotamento, ao deixá-lo morrer?


amar é como regar uma árvore já seca, esperando que ela floreça.