18.10.13


Estamos no teatro outra vez. Depois de aplausos as luzes acendem-se e as pessoas se aglutinam em filas para a saída. Mas estou no canto e se me levanto, vejo você ainda no tablado,  enquanto se ocupa dos cabos depois da apresentação. Observo de onde estou e não ouso movimento. A plateia vai sumindo, para suas casas ou enchendo os bares. Me aproximo um pouco mais da escada que dá acesso ao palco. É você quem vejo daqui debaixo, no trabalho dos bastidores. Há um barulho de comentários e sons esparsos, no entanto, é você quem vejo enquanto técnicos e outros músicos se preparam para partir. Se nota minha presença, não posso deixar de estar surpresa, embora o olhasse sem disfarce. E o que mais me assalta é ver que agora continue a terminar o que faz, mas olhe também para mim. Não me oponho. Os canhões se apagam progressivamente, e todos saem como se não existíssimos. Tomada por um impulso vindo de não sei de onde, como se fossemos familiares, subo as escadas antes de sermos apresentados e, ao invés de cumprimentos, nos tocamos. Você enlaça a mão esquerda em minha cintura, como se fossemos dançar, mas ao invés disso a mantém imóvel e coloca a direita sobre minha face; e não posso deixar de notar como curva o rosto de um jeito delicado quando abraça e como toca a pele sobre a minha. Talvez porque perceba meu riso e talvez intua o motivo, a ver com o movimento das suas mãos (pela destreza em como equilibra nós dois desse jeito), diz baixinho no meu ouvido como a me explicar: “técnica de La mano izquierta de agustín Barrios”. E rimos agora juntos, comovidos,  como se iniciassemos um passo, e nele adejamos longe, para sempre no teatro agora vazio, como dançarinos ou atores no palco, afastando-nos cada vez mais longe como numa barca do conto de um escritor, "mas para sempre aqui fixados, nesse nosso conto discreto, que tem seu fim mas é só olhá-lo e novo e a aventura recomeça.