12.5.09

(rascunho)

não é saudosismo. estou lembrando de casos que aconteceram há muito tempo no passado.
mas o que é a memória de um velho? concordo que me julgues mal, não há mal nenhum nisso. estou contando os anos que tenho e são demasiado indiscretos para dizê-lo. Recordo-te numa roupa justíssima que comprou com o meu dinheiro numa das boutiques da Praia. você era deslumbrante, se a memória não me falha! mas não ornava a matéria-prima, dava para todo o mundo, era uma vadia! eu, mecenas das artes ingênuas, lhe dava tantas mordomias.
se naquela época eu já era velho, agora sou velho ainda, mas um velho gago e baco; e se quisesses dar pra mim eu não aguentaria o tranco, não tenho vergonha de dizer. Mas você também não deve estar tão moça, nem deve ter mais corpinho que lhe caibam aquelas roupas... pergunto-me se estão traças, numa vitrina de bazar, um brechô, talvez, se não estão fora de moda...
você sempre teve esse hábito de jogar tudo fora, se livrar de tudo que lhe pudesse render qualquer trocado, nunca se afetou aos laços. Por falta de melhor termo como quem abrevia: uma vadia. Talvez você nem fosse tão bonita, a fraca memória tem um hábito míope, como os sonhos de vez em quando.. Lembro das noites no café jazz, (que, malgrado a nomenclatura, não chamaria o que serviam de café nem o que se tocava de jazz). Você também deve se lembrar, é uma mentira que a bebida interfira. Você tropeçava nas escadas, bebia destilados, fermentados, qualquer alcool que lhe deixasse torta e no fim da noite, suficientemente corajosa, repetia sempre que nunca quis saber de mim, que eu era um velho enfim, e outros adjetivos que não frequentam o dicionário, você sempre foi tão ruim de vocabulário. Não coloco toda a culpa na bebida, você me repugnava, reconheço. mas você não você ia embora. Oscilava, parasitária, gritava, um péssimo hábito. Depois silenciava, muda, ébria. Eu não interrompia minha janta. Prosseguia. Aniquilava você. Mas era essa minha sobrevida.
Me sinto sólido, me sinto refeito daquilo tudo. Estou morto? o que me põe em confronto?

de vez em quando esvazio meu rosto, largo as ferramentas, o copo, a bebida, deixo-as cair, sem definir se sem querer ou de propósito.